16 de setembro de 2007

01/01/2004


Meu pai;

Muito triste sua situação, acredito firmemente no quesito destino. Somente por justiça você pode estar passando por tudo isso. O consolo é que após passar por tanta dor e desapego involuntariamente você possa desfrutar da bem-aventurança, da verdade e principalmente da quietude.

Não creio no acaso.Uma das coisas que mais gostaria era de estar ao seu lado neste momento.Mesmo como você se encontra, o considero LINDO! O considerarei sempre “meu grandioso pai”. Aquele que satisfazia todos meus desejos, e que eu tanto admirava por sua inteligência na minha infância.

Hoje, você me dá muito mais que matéria e intelecto. Você me dá verdadeiras lições de vida, de força, resistência, justiça e pureza. Sim, meu pai voltou a ser uma criança, aquela que fala com o olhar e com o coração, e eu o entendo.Às vezes acho revoltante sua situação (mais de oito anos tomado pela doença!). Porém sempre me convenço que é necessário você passar por isso.

Não sei se me dói mais ver sua impotência ao cumprir seu papel de pai, ou a presença de um ser quase inanimado e com força interior latente, que dia após dia é consumido pela doença e dependência. Me dói e me sinto incapaz, pois não posso alivia-lo.Sempre fui muito apegada à você. São tantas as boas lembranças: seus braços fortes me jogando pra dentro da carroceria do caminhão e me levando por todos os cantos...Os seus cuidados descuidados que sempre fazia minha mãe ficar “p da vida”...Os banhos de mangueira, os sorvetes...As diversas viagens por essa Minas Gerais tão linda...Os passeios à cavalo na roça, os montes de pastéis no Mercado Central. E pensar que você queria me iniciar na música!!! Eu recusei.Hoje sou eu que não recuso a deixa-la.

Até mesmo hoje você constantemente faz coisas que serão impossíveis de sair da minha memória.Atualmente é você quem pede o sorvete, você quem faz declarações de amor, pede amparo e proteção. É como se os papéis se invertessem; agora é minha vez de doar.

Não mais entre as sinistras e colossais árvores da praça Tom Jobim (onde comecei a escrever esta carta), mas sim na portaria do hospital São Lucas,desejo vê-lo mais que nunca. Tenho muito medo de perde-lo, mas por outro lado seria um alívio!Não posso entrar; me impedem.Imagino como ele está agora.Você também deve estar com saudades. Isso sim é injustiça.Impedir que eu veja meu pai.Já não tenho esperanças da sua melhora.Desejo apenas que continue sendo feita a justiça.

De sua filha que te ama, Diviane Morais de Aquino.


P.S.: Às 20:00 do dia 31 de dezembro de 2003, falece meu pai Benedito Pereira de Aquino de insuficiência cardíaca. Seu corpo foi velado em Belo Horizonte e posteriormente em Ipuiuna (sua cidade natal), onde foi enterrado. Interessante citar que, após sua morte. seu semblante aparentava sua cura. Todas as marcas da doença desapareceram .Finalmente ele se libertou do corpo limitado. Agora seus movimentos correspondem a sua vontade.Agradeço àqueles que sentem a perda e estão ao meu lado e ao da minha mãe.