26 de abril de 2009


 Moço da vida inteira:

  Onde estás?Longe perto?Inacessível, estampado, camuflado...
  O que fazes? Chora, sorri, canta, aprende a  esquecer, se lembra...
  Tudo é tão vasto, amplo...Tão irresoluto! Não sei o que você se tornou, não sei se continua sendo meu pai e me amando como antes...Nesse ocasião oportuna, além de me questionar sobre essas coisas diversas, ouço com devoção aquela canção que me apresentastes.(A voz de Soza comove ainda mais minha consciência íntima.) As lembranças voltam a  subsistir.
  Seu funeral! Que sensação molesta, nociva...Meu Deus! Pareceu-me um devaneio triste e penoso.Sua expressão de não vitalidade me chocou tanto! 
  Antes mesmo do velório tive  a infelicidade de encontra-lo no quarto ainda com a densidade quente, naquela mesma cama que tantas vezes me deitei com você, escondida das enfermeiras.Tranquei aquele quarto, e desabafei pra você.Fiquei lá ao teu lado até quase arrombarem a porta, me expulsarem e te levarem. Foram 40 minutos eternos e reveladores. Embora aflita e triste, me vi dona de uma coragem sem tamanho.Nesse dia foi que me descobri de veras forte.
   Seu corpo esfriando, desanimando e endurecendo...Papai lindo estava se tornando pedra.
   De certa forma eu percebia que você estava se libertando das tantas limitações e elevando seu espírito.
  Enquanto um turbilhão acontecia, umas moças chatas do Velório Santa Casa me perguntavam que cor eu prefiria as flores do caixão. Gente inútil que não permitem-me sentir vasta dor!Que se danem as flores do mundo!Por mim meu pai seria cremado e com suas cinzas me daria um belo e indecoroso  banho, pois essa idéia de passar gerações embaixo da terra me causa arrepios! Decomposição, putrefação...Eca! Bom deve ser virar pó e pegar carona com o vento!(Isso sim é benevolência!)
  Enfim te levaram para os cuidados fúnebres.Zelaram da sua aparência e o enfeitaram com flores cor de esperança e paz.
  Te reencontrei já no velório.Ali, já não era mais você..Apenas sua casca, desconfiguração contextual. Seu verdadeiro ser já tinha emergido, estava livre das tantas amarras que não o deixava viver  de fato como humano. (Pensando assim até fico feliz, conformada, diferente da mamãe que te deseja de qualquer forma.Viu?Nem sou tão egoísta assim...)
  Você cumpriu fortemente seu Karma grandioso pai!Nunca te ouvi reclamar do seu estado semi-vegetativo.Que exemplo!Que força! Pessoa possante, consistente, resistente, rico...(Quero ser igual a você quando eu crescer.)
  Após seu velório formal em BH você voltou pra onde nunca deveria ter saído.A cidade dos seus sonhos febris.( Sempre que você tinha suas crises de alucinação falava em voltar pra Ipuiuna, se lembra?)Posso afirmar que você fechou bem esse ciclo. A mesma terra que te deu a luz, agora vai corrorer seu corpo. Terra sedenta de vida e morte.Agora que você se transformou em verdadeira vida e verdade não há mais o que temer!Deixa a morte te levar...
  Já chegando em Ipuiuna todos seus queridos estavam lá.Esperando seu corpo pra sua despedida. Família extensa.Amigos incalculáveis.Mamãe não desgrudou de ti nem um segundo, nem mesmo na longa viagem com a ambulância funerária.Imensidão de pessoas, mar de lágrimas. 
  Chegava a hora do sepultamento e eu estava com a sensação de que ainda não havia me despedido de fato.Era tanto que eu ainda queria lhe falar...Tantos abraços que teriam que fenecer soterrados dentro de mim.Meu peito apertadão...Pouquíssimas lágrimas.
  Algo me pedia para que eu revelasse meus sentimentos de forma clara e  precisa.Talvez de forma artística que é bem propício para o espírito.
  Não sei se você me escutou, mas aquela canzoneta que você tanto gostava, eu cantei com o coração, com sentimento. Assim como aquela poesia que recitei... Sensação boa.
  Depois disso pai, apaziguei.
  Naquela hora que coloquei a coroa torpe de flores sobre seu túmulo, foi quando me despedi de veras. Findava um ciclo. De fato, ano novo!(Como seria a vida sem o brilho vívido dos seus olhos verdes?)
  Agora separados em tangibilidade, já é inevitável a saudade. Escrevo pra ti e imagino que vc também escreve pra mim, contado de tudo que anda acontecendo no além-terra.Quem sabe um dia eu não vou ter acesso a todas suas experiencais pós morte?Quem sabe num outro tempo não voltaremos  a nos unir mais intensamente, sem amarras?
  Não vou cansar de te esperar.
  Quero ser sua morada eterna pai querido!Desejo agora que estejas ao meu lado.Te abraço agora em pensamento, e juntos num sonho destro, "dançarolamos" a cantata Sudamericana.
  
  Te amo demais!

  D.M.